João Moreira Rato: “Existe um défice de governança nas PME”

João Moreira Rato: “Existe um défice de governança nas PME”
João Moreira Rato
Presidente do Instituto Português de Corporate Governance

Preside ao Instituto Português de Corporate Governance (IPCG), desde o verão. Com mandato para o triénio 2022-2024, João Moreira Rato quer dar continuidade ao trabalho da direção anterior, aumentando os membros e promovendo a aceitação do código de boas práticas por mais empresas. Porque, defende, muitas das melhores práticas de governança ainda não estão generalizadas ao tecido empresarial nacional.

Assumiu em 2022 a direção do Instituto Português de Corporate Governance. Que desafios encontrou e que objetivos tem para este triénio?

Antes de mais, gostava de realçar o grande trabalho de serviço público dos meus antecessores, porque, nos últimos anos, o IPCG conseguiu participar na elaboração de um código do governo das sociedades, que é muito importante, além de participar na sua monitorização. Foi também feito um esforço grande na área da formação e na organização de seminário, ou seja, na difusão das melhores práticas de corporate governance.

Neste triénio, vamos tentar alargar o trabalho que foi feito anteriormente: aumentar a aceitação do código a mais empresas, incluindo não emitentes; trazer para o IPCG cada vez mais membros; continuar a ser uma referência em Portugal na formação a não executivos; e criar relações com entidades similares no estrangeiro, de forma a trocar experiências em termos de melhores práticas, continuando a difusão das melhores práticas dentro do tecido económico.

Urge sensibilizar as empresas nacionais para as questões de governance? O tecido empresarial é muito heterogéneo nesse domínio?

O trabalho está no princípio. As coisas estão agora a mudar em termos de práticas de corporate governance e muitas das melhores práticas ainda não são generalizadas. Há todo um trabalho a fazer no sentido de aprofundar a sua utilização.

O IPCG está envolvido na criação de um guia de boas práticas de governança para as PME. Com que objetivos?

Foi identificado que existe um défice de governança nas PME, e que possivelmente terá a ver com uma produtividade mais fraca do nosso tecido empresarial. Seja porque a ausência de boas práticas de governança dificulta o crescimento das empresas, até no sentido de fusões e aquisições, seja na forma como abordam as decisões estratégicas que a empresa tem de tomar para crescer. Porque é muito mais difícil a empresa ter uma direção estratégica bem estabelecida sem boas práticas de governança. E sem uma boa direção estratégica estabelecida é difícil a empresa conseguir otimizar o seu potencial, nomeadamente aproveitar ao máximo os benefícios de escala que pode obter.

Quais são as áreas prioritárias a desenvolver para uma boa governance em Portugal?

Há uma área importante: a dos administradores não executivos independentes. Os independentes no conselho desempenham um papel muito importante, não só a ajudar na elaboração de uma estratégia que seja mais robusta e adequada, como em termos de identificação dos riscos, porque normalmente quando se trazem administradores independentes, que aportam expertises relevantes, mas fora do âmbito normal de atividade da empresa, permite-se a identificação de riscos que até aí não estavam identificados. Todos os administradores, sendo executivos, estão muito envolvidos na gestão do dia a dia da empresa e, por isso, podem não ter a perceção de alguns riscos que o administrador não executivo independente tem mais facilidade em identificar, porque vê os problemas mais de fora.

Quais são os riscos mais comuns?

Há alguns riscos culturais que não são bem percecionados por quem participou no desenvolvimento dessa mesma cultura. É o caso da forma como estão organizados alguns processos de monitorização de certos riscos. Há, por exemplo, alguns riscos operacionais, que são muito infrequentes, mas que podem ter um impacto muito grande na organização. Quem está no dia a dia da organização nunca encontrou esses riscos operacionais e alguns deles até podem ter a ver com a cultura da empresa. Por exemplo, um comportamento de informalidade, que até ajudou a empresa no seu crescimento, é mais fácil para alguém de fora dizer que alguns riscos estão a ser menosprezados. São riscos que podem ser potenciados pela informalidade com que abordam estes temas.

Em que medida é que adotar melhores princípios de corporate governance e uma maior transparência poderia contribuir para uma maior confiança dos consumidores nas empresas e nas instituições?

Exatamente por essas duas dimensões: aumentar a robustez do desenvolvimento da estratégia – porque também do lado da estratégia pode haver direções que quem está por dentro da empresa não está bem a ver que possam ser exploradas – e do lado dos riscos o mesmo se passa, os investidores preferem ter um conselho de administração que produza estratégias mais robustas, mais questionadas e com maior capacidade de identificar riscos.

Adotar essas boas práticas traz retorno financeiro? Há estudos que o comprovem?

Sim, traz, porque se conseguir melhorar a sua estratégia, e de alguma maneira, com uma melhor identificação de riscos, o risco de retorno em si acaba por ser impactado. Mas, não podemos esquecer que uma boa corporate governance também é importante, porque traz a possibilidade de levar em consideração outros stakeholders que não só os acionistas, sejam os trabalhadores, seja a sociedade que é impactada pela atividade da empresa.

Esse pilar, social, do ESG tem uma importância cada vez maior neste domínio.

Tem e daí a importância também de ter alguém do conselho de administração que leva estas dimensões em consideração.

Onde entra o pilar da sustentabilidade nesta equação?

Relaciona-se porque a sustentabilidade, tanto social como ambiental, tem a ver com o envelope da empresa. Mais uma vez, aumenta, de alguma forma, a complexidade das decisões que se tomam no conselho de administração e realça a importância de haver qualidade na tomada de decisões.

Em que medida é que códigos de ética são importantes no domínio da corporate governance?

A existência de códigos de ética é crucial. Além disso, é importante que os conselhos de administração levem em consideração os princípios de estão imbuídos esses códigos de ética e haver uma forma de avaliar como a empresa se está a comportar à luz dos mesmos. Para isso, não só é importante ter os órgãos sociais organizados de forma a que haja alguém que possa olhar para isso de forma independente, como também trazer avaliadores de fora.

A existência do código de ética é fundamental, mas é também importante que ele seja regularmente avaliado.

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